Às Terças


Estava voltando, mas se deteve um instante na esperança de encontra-lo no caminho. Procurou inerte, varreu o espaço com os olhos mas não o viu em canto algum.
A mulher perto da escada no entanto, tirara um papel do bolso, que podia jurar ser o seu segredo. Foi ate ela e perguntou...A mulher olhou o papel, sorriu e lhe respondeu o que seria talvez o mais improvavel, ele estava onde ela deveria estar.
O coração acelerou e só então percebeu que estava perdendo um tempo sagrado. Em uma fração de segundos viu-se em disparada em direção ao inesperado acontecido. Em exagero, é verdade. Quase parou em cima dele. Tentou disfarçar mas queria mesmo era deixar explicito. Se sentou e começou a tremer...reparar atenta os detalhes que, em fato, nunca esquecera, mas mesmo assim gostava de lembrar. Como por exemplo a camisa social aberta no peito ou olhos vermelhos, culpa do vento forte, ou quem sabe os cabelos...cabelos castanhos em diversas tonalidades...esse era o colorido de sua vaidade. E digo 'sua' porque não compartilhava com ninguem, e disso tambem se recordou logo e teria sim se enraivecido outra vez com seu medo se não fosse aquela mudança brusca que a atordoou. Ele não era mais um homem só e seu gato. Não era mais Chopin que regia suas tardes de domingo. Tinha companhia para os feriados e havia aposentado o uísque. Usava o cabelo preso agora e estava pensando em cortar... Estava claro que existia alguem, existia outra, existia ELA e ela o estava estragando.
Recomeçou, por pura caridade. Respirou fundo e fingiu não perceber o visivel incomodo dele com sua presença. Ou fosse talvez a ansiedade de evitar que Ela aparecesse a qualquer momento à porta e flagrasse os olhares cortantes que trocavam asperos e quentes pela sala. Evitar de ser chamado a um canto e advertido sobre os riscos e consequencias de seus possiveis impulsos sexuais, e porque nao, afetivos...Ele entretanto permanecia firme...e ela só o vira vulneravel uma vez. Onde sua força não fora suficiente para dizer não e sim suplicar pela espera.
O convite estava em aberto. Ele, que tinha aceito e prometido leva-la, estava agora preso a sua carencia e a um amor seguro.
Foi frio, pediu que fosse mais sutil, o que era impossivel. Rejeitou o filme, cancelou a viagem, passou a chegar no carro dela. E o que mais a incomodou era sua calma aparente contrastando com o receio da voz e a lateral da mao esquerda roçando os seus dedos como que proposital. Esse era seu jeito de gritar que estava com medo. Não medo dela ou da outra, ao caso de perde-la, mas medo de tudo que ele seria e deixaria de ser ao lado dela e longe do senso comum ... Tudo aquilo que nos torna irracionais, tempestivos e impulsivos a ponto de arriscar os sonhos e violentar a vontade. Até provar doloridamente que o novo gosto não irá permanecer sempre novo. E confirmar sua irreal capacidade de imaginar. Ele estava á beira da contradição.
As trombetas soam. O relógio lembrando que o tempo passou mas não o suficiente. O senhor de branco apareceu na porta como de costume e interrompeu o acreditava ser o fim, sem imaginar que jamais houve tempo para um começo. Foram novamente interrompidos antes de terem coragem de falar.
Ele guardou as coisas dele, ela levantou sem pressa, mordendo o passo, caminhando juntos para caminhos diferentes. Tao frageis e orgulhosos de si. Se desrespeitando por capricho. Não se despediram. Mas sorriu forçada ao ve-lo entrar palido no carro dela.
Fazer o que...A ferida no Ego é que dói mais.

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